Por que preferimos o mais caro?


Por Felipe Novaes *





Estamos vivendo numa época onde o ter sobrepuja o ser. Essa frase se tornou um clichê. Mas ela diz a verdade, realmente estamos muito mais sensíveis ao que o outro tem do que ao que ele é. Às vezes, o que se tem funciona como um indicador daquilo que se é. Claro que algumas pessoas fogem a essa regra, mas o quanto elas realmente fogem? Será que é possível fugir de tal tendência totalmente? Estudos interessantíssimos mostram que, além de avaliarmos a confiabilidade, beleza, respeitabilidade e status de alguém de acordo com o que essa pessoa possui, também levamos em conta – e muito – o valor gasto. Alguns estudiosos chegam a dizer que esse mecanismo está por trás não só da mente humana, mas também das relações de seleção sexual de outros animais, mostrando que essa é uma tendência antiga que compartilhamos com outros seres. 




Costly Signaling Theory
O pavão é uma das aves mais bonitas que existem. Chama atenção a sua cauda, muito grande em relação ao corpo e coloridíssima.  Certamente ela chama a atenção de muitos predadores [ou talvez seus predadores sejam incapazes de perceber a cor das penas da mesma forma que nós, o que faça essas aves chamarem menos a atenção] mas algum outro benefício deve existir em sustentar uma plumagem tão chamativa e custosa. É sabido que as fêmeas são atraídas pelos machos que exibem a mais graciosa das caudas, isto é, de alguma forma, toda aquela parafernália ajuda na cópula, favorecendo a reprodução de uma maneira que supera o suposto risco de atrair predadores e parasitas. Mas o que chama a atenção das fêmeas ao verem aquela cauda? Será que o esquema de cores e o tamanho tornam aquele arranjo algo irresistível para elas?

costly signaling theory (Miller, 2009; Saad, 2007) tem sido invocada com sucesso para explicar o uso de recursos que não possuem nenhuma funcionalidade manifesta (prática) (Bliege Bird & Smith, 2005; Cronk, 2005). Segundo essa idéia, o pavão, com todo seu dispendioso rabo, estaria sinalizando que é saudável e apto o suficiente para gastar recursos na manutenção de tal aparato e ainda conseguir obter alimento e sobreviver. Ou seja, é a lógica da ostentação das qualidades invisíveis possuídas. É como um marketingpessoal dos luxuosos recursos do animal. 

O Consumo Conspícuo – Preferindo o cara ao invés do barato
Pássaro-caramancheiro
De acordo com o Global Luxury Retailing,os gastos mundiais com produtos de luxo chegarão a $450 bilhões em 2012, e 41,9% dos gastos se referem somente ao gasto com roupas (citado em Nelissen, 2011). Nelissen (2011) destaca o fato de que não é preciso ter uma renda muito alta para que a preferência pelo luxo se manifeste. De fato, até mesmo pessoas pobres em países em desenvolvimento se comportam dessa forma, por exemplo, preferindo roupas de marca do que sem marca ou de marcas menos luxuosas (mais baratas), o chamado consumo conspícuo (Veblen, 1899). De fato, essa face do comportamento humano acaba com a visão de consumidor racional que alguns economistas alimentam. Mas a lógica da preferência pelo mais caro é regida pelo ganho de status social. Status pode ser definido como a posição mais alta ocupada em algum setor das relações humanas, seja no mundo acadêmico, nas empresas, na rua, em casa, numa tribo e etc (Hyman, 1942).

Estudos de psicologia e outros com viés comparativo sugerem que esse é um fenômeno que rege o comportamento humano (Cummins, 2005; Miller, 2009; Saad, 2007), assim como o de primatas não humanos (de Waal, 1982); isso sem falar no exemplo do pavão, que mostra que essa é uma tendência dos animais em geral. Dessa forma, é coerente refletir sobre o fato de que para que os humanos consigam ostentar algo com sucesso, é de suma importância que o observador consiga processar aquilo como um indício das qualidades do ostentador. E o motivo de a seleção natural ter selecionado uma mente com capacidade para processar esse tipo de relação, é que a ostentação, seja do que for que tenha valor em dado cenário e época, beneficia as relações sociais para o ostentador. Nelissen (2011) realizou experimentos que corroboram essa hipótese. Mas, antes, vamos definir os critérios para que um comportamento seja considerado um consumo conspícuo:



1) Deve ser algo facilmente observável (ex: o rabo do pavão; uma longa capa, coroa brilhante e outros adereços dos reis; ninhos exageradamente ornamentados do pássaro-caramancheiro, um logo de uma roupa de grife);



2) Deve ser um sinal difícil ou/e custoso de se falsificar;

3) O sinal deve estar relacionado a algo que não é observado diretamente, ainda que seja desejável e que denote as qualidades do ostentador, como saúde, proteção e bons genes para uma prole saudável;   


4) O adereço, ou sinal, deve produzir um chamamento corporal.


Os exemplos do item 1 servem para todos os outros itens. Mas ao qual eu quero dar evidência é o último, as marcas de roupas

As Marcas de Roupas e a Ostentação do Consumo Conspícuo
Como vimos, os animais tendem a evidenciar os seus atributos não visíveis diretamente através do gastofuncionalmente desnecessário com elementos dispendiosos e chamativos, como uma forma, também, de promover seu status. Os humanos fazem exatamente isso. Observe os trajes e adereços desses indivíduos nas fotos a seguir:



Essa relação entre o consumo conspícuo, ostentação como referência a qualidades invisíveis e status ficou bem evidente, por exemplo, nos 9 experimentos feitos por Nilessen (2011) e sua equipe. No primeiro, um pequeno bloco em que a capa tinha a foto de um rapaz de boa aparência e as outras folhas eram de um também pequeno questionário, foram distribuídos nas ruas. O objetivo do questionário era avaliar o homem nos quesitos status, condição financeira, atratividade, amizade e confiabilidade. O detalhe é que, para um grupo de pessoas foi distribuído um conjunto de testes em que a blusa de gola polo que o homem usava, possuía uma pequena logo de uma famosa marca. Outro grupo de fotos foi manipulado para ter a logo de uma marca menos valorizada. Os blocos que apresentavam a foto do homem com a logo mais famosa foram melhor avaliados nos quesitos status e condição financeira.
Num segundo experimento, um homem saiu por um shopping pedindo doações para uma instituição de caridade. A tarefa foi dividida em duas etapas: primeiro usou uma blusa verde e lisa, e depois, a mesma blusa, porém, com um logo de uma marca bem conceituada. Os resultados mostraram que a coleta realizada com a blusa com a logo foi mais bem sucedida.
Outro estudo mostrou que candidatos a uma vaga de estágio em um laboratório tinham mais chances de serem selecionados quando estavam usando uma blusa de marca também (com o logo da marca visível).

Conclusão dos Experimentos   
Mais outros experimentos foram feitos mas os resultados sempre mostravam que as marcar mais bem conceituadas eram sempre mais bem avaliadas em relação à importância, status e condição financeira, também eram mais aceitas socialmente e conseguiam despertar com mais sucesso a atenção do público e convencê-los de algo, tanto das qualidades necessárias para uma vaga de estágio quanto para convencer alguém a fazer uma doação. 

As Preferências Femininas e o Consumo Conspícuo Masculino
Outro interessante dado é a maior atenção dada  pelas mulheres ao consumo conspícuo durante o período de ovulação (Lens, 2011). Isso é compatível com o modelo da psicologia evolucionista, que considera que a mente humana possui uma cognição moldada no ambiente de adaptação evolutiva (AAE), no Pleistoceno. Isso significa que, caso essa predileção feminina esteja relacionada diretamente a uma tendência evolutiva, relacionada à seleção sexual, o grau dessa característica seria variável ao longo do ciclo menstrual, com uma maior tendência à prestar atenção aos indícios de status social durante a fase da ovulação (período fértil) (Anderson et al., 2010). De fato, já foi verificado que nessa fase, as mulheres apresentam alterações nas preferências de características masculinas, apresentando maior atração por homens altos, com rosto mais másculo do que infantilizado, e com papel social dominante (Gangestad, Thornhill &Garver-Apgar, 2005; Lukaszewski & Roney, 2009). Assim, seria natural pensar também numa consequência para a percepção dos indícios de status masculino, assim como uma eliminação desses efeitos nas mulheres que fazem uso de pílulas anticoncepcionais. O resultado da pesquisa corroborou essas hipóteses, mostrando que produtos relacionados a luxo e que não são destacados por sua funcionalidade, despertavam dignificativamente mais a atenção das que estavam em período fértil.

Conclusão

Todas essas evidências mostram uma estrutura cognitiva comum aos seres humanos e aos animais nãohumanos. Primeiramente, podemos dizer que uma evidência é o fato de que para a lógica do statusfuncionar, precisamos ter uma mente que saiba evidenciá-lo e, por outro lado, uma que saiba percebê-lo como tal. Esse mecanismo é evidente na seleção sexual, como no exemplo do pássaro-caramancheiro,que gasta energia, recursos, tempo, e corre o risco de ficar mais visível aos predadores, ao enfeitar seu ninho da melhor manira possível a fim de “seduzir” as fêmeas. 


O consumo conspícuo é como se fosse uma regra que permanece constante mas que assume diversas faces no caso dos humanos. Hoje podemos dizer que essa estratégia é uma característica que foi mais útil na seleção sexual no nosso AAE até pouco tempo atrás, qundo era bem mais complicado de ostentar luxo sem que isso correspondesse diretamente a uma ampla gama de recursos, saúde e outras características buscadas pelas fêmeas. No caso dos humanos modernos, a possibilidade de comprar usando cartão de crédito, por exemplo, fez com que pessoas com baixa renda pudessem comprar coisas incompatíveis com suas possibilidades financeiras, considerando a compra à vista. Nossos ancestrais caçadores-coletores usavam adereços que mostravam claramente sua posição dentro do grupo. Indivíduos das altas hierarquias sempre eram os de idumentária mais barroca, o que persistiu até não muito tempo atrás, basta olhar as fotos de Reis e Imperadores e suas roupas e adereços barrocos. Porém, mesmo essas táticas não sendo tão eficazes hoje, essas pesquisas mostram que ainda continuamos com um cérebro ancestral.

Isso levanta uma hipótese interessante sobre a origem das roupas. Talvez as primeiras roupas servissem ao propósito de separar os indivíduos de acordo com sua posição social dentro das coalizões dos primeiros Homo sapiens sapiens e não para proteger do frio ou do calor, ou de parasitas. Ou, até, as primeiras roupas tenham servido a todos esses propósitos, matando vários coelhos com uma cajadada só.
  


ResearchBlogging.org
Referências

- ANDERSON, U. S., Perea, E. F., Becker, D. V., Ackerman, J. M., Shapiro, J. R., Neuberg, S. L.et al.,  I only have eyes for you: Ovulation redirects attention (but not memory) to attractive men. Journal of Experimental Social Psychology, 46(5),
804808, 2010.

- BLIEGE, B., R., & Smith, E. A.; Signaling theory, strategic interaction, and symbolic capital. Current Anthropology, 46, 221248, 2005.

- CRONK, L. ; The application of animal signaling theory to human phenomena: Some thoughts and clarifications. Social Science Information,
44, 603620, 2005.

- CUMMINS, D. D., Dominance, status, and social hierarchies. In D. Buss (Ed.), The evolutionary psychology handbook (pp. 676−697).
New York: Wiley, 2005.

- DE WAAL, F., Chimpanzee Politics: Power and Sex Among Apes. London: Jonathon Cape, 1982.

- GANGESTAD, S. W., Thornhill, R., & Garver-Apgar, C. E., Adaptations to ovulation. In D. M. Buss (Ed.), Handbook of evolutionary psychology (pp. 344–371). New York:
Wiley, 2005.

- HYMAN, H. H., The Psychology of Status. New York: Columbia
University, 1942.

- LENS, Inge, Karolien Driesmans, Mario Pandelaere, Kim Janssens, Would male conspicuous consumption capture the female eye? Menstrual cycle effects on women's attention to status products, Journal of Experimental Social Psychology, 2011.

- MILLER, G.; Spent. Sex, Evolution, and Consumer Behavior. New York: Viking Penguin; 2009

SAAD, G.; The Evolutionary Bases of Consumption. Mahwah, NJ: Erlbaum; 2007.

- NELISSEN, Rob M.A., Marijn H.C. Meijers, Social benefits of luxury brands as costly signals of wealth and status, Evolution and Human Behavior, 32, 343–355, 2011.



VEBLEN, Thorstein B. (1965). A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições. São Paulo: Pioneira.


* Felipe Novaes é graduando em Psicologia pela UFRJ e escreve para o blog NERDWORKING 

4.11.11

A Ciência torna a crença em deus obsoleta?

Postado por Marcus Vinicius Alves |



Essa foi a pergunta feita a diversos cientistas, filósofos e teólogos pela John Templeton Fundation, fundação que incentiva a pesquisa sobre temas como amor, perdão, criatividade e crenças religiosas em diversas áreas da ciência, como física teórica, ciências cognitivas, biologia e ciências sociais.

As respostas dadas para essa pergunta por cientistas ou relacionados com ela como Steven Pinker, William Phillips, Michael Shermer e muitos outros, podem ser encontradas no link:



Steven Pinker é um dos cientistas a opinar sobre tal questão.

É certo que uma resposta definitiva dificilmente surge a partir de um trabalho como esse, mas o diálogo proveniente dele e a possibilidade de conhecer um pouco mais dos argumentos sobre o tema é muito interessante, além disso, para aquele que lê esses ensaios a sua própria resposta – seja afirmativa, negativa ou neutra – poderá ser embasadas com o discurso de um grande cientista da área, um prêmio Nobel ou um jornalista que escreve sobre o assunto. Os ensaios estão em inglês.

Vale a leitura.

28.10.11

Falando de saudade...

Postado por Marcus Vinicius Alves |


“Você já foi à Bahia, nega? Não? Então vá.”
Dorival Caymmi


Recentemente me mudei da minha cidade natal, Salvador, para São Paulo, onde iniciei o mestrado. Sair de casa sempre é difícil, mas acredito que reservo à minha cidade natal uma espécie de apreço que dificilmente poderia ser considerado normal: por anos não consegui me manter muito mais do que duas semanas distante de Salvador. A cada viagem, a contagem regressiva logo se iniciava e dentro de pouco tempo meu humor estaria completamente mudado, irritadiço, impaciente, saudoso. Todavia, a todo o momento, quando estava em terras soteropolitanas desejava ir embora e guardava antipatia a quase todos os fenômenos particulares que ela reserva àqueles que lá habitam, dos vizinhos e carros de gostos musicais duvidosos em uma altura ensurdecedora, ao trânsito agressivo e o desleixo provinciano com os bairros históricos e culturais que se tornou retrato de más administrações sucessivas da cidade. 

O baiano, e particularmente o soteropolitano, tem uma coisa engraçada. Lá é possível encontrar pessoas que vão dizer com toda vontade, “Salvador é uma cidade terrível, mas não consigo ficar longe dela”. E é essa relação de amor semelhante ao fraternal – um pouco exagerado, eu sei – um amor que se permite falar mal, reclamar, mas que continua sendo amor.

Muito além da cidade descrita por Jorge Amado, Salvador pouco tem em suas ruas a poesia de outrora, é possível ser soteropolitano e não conhecer os pontos mais ilustrados pelas linhas das obras dele. Da mesma forma, parece que as palavras ‘moqueca’, ‘cachaça’, ‘orixá’ e ‘capoeira’ não caberiam em lugar melhor e foram especialmente concebidas para encaixar no sotaque daquele que nasceu nas terras banhadas pela Baía de Todos os Santos (e depois de algum tempo em São Paulo, começo a perceber que ‘farinha’ também). A Roma Negra é ainda uma cidade maravilhosa, e os versos de Caymmi, que confessavam – todavia, sem muito alarde - estar com saudade de Salvador, ainda são atuais, ao menos para mim.


Por mais que alguns fatores ainda me sejam incômodos na minha cidade natal, há uma beleza nas ondas do extenso litoral ou do sol nascente que desponta no horizonte da marina, bem próximo ao Mercado Modelo e Elevador Lacerda, que me permite lembrar com carinho de toda a beleza desta cidade. E, provavelmente, maquiando as impressões negativas, a memória se distorce para revelar um local de onde só as melhores recordações podem ser relembradas. Recordações de lugares, recordações de pessoas. A saudade, palavra que adoramos deixar claro fazer parte de um grupo seleto de idiomas, dentre estes, a língua portuguesa, poderia ser considerada uma expressão característica daquele que passou por Salvador e soteropolitanos e almeja desesperadamente o retorno. 


Poucos estudos abordam o tópico “saudade”, mas é possível encontrar aqueles que estudam a “saudade de casa” (homesickness) e sua relação com diversos fatores psicológicos. Essa saudade nada mais é do que uma confluência de reações cognitivas e emocionais advindas da separação do lar. Tal saudade gera uma série de intercorrências que podem ser correlacionadas negativamente com a idade e a experiência de separação que a pessoa já possui (ou seja, todo aquele que, como eu, nunca suportou tal separação, estará mais propenso a desenvolver os sintomas principais dessa saudade extrema). Os problemas que acabam por surgir dessa saudade estão associados com sintomas depressivos e internalização de problemas comportamentais. 

ResearchBlogging.orgQuando com crianças, percebeu-se que a intensidade da saudade aumenta com o tempo, reduzindo apenas momentos antes do retorno para casa, mas o interessante é que os efeitos da saudade de casa iniciam mesmo meses antes da separação. Sendo assim, essa ‘homesickness’ excessiva pode ser considerada diferente de um transtorno gerado apenas pela separação – que poderia considerar uma separação pouco traumática uma solução – pois os efeitos já aparecem com a iminência da despedida. Aparentemente, mulheres e meninas tendem a sentir os efeitos da saudade com muito mais intensidade do que homens e meninos, o que pode até não ser cientificamente conclusivo, mas pelo menos é poético. As ruminações provenientes dessa distância de casa e uma possível solidão acarretada pelo distanciamento do indivíduo vindo a partir destas ruminações podem resultar mesmo em uma depressão, ou pior, a vontade de escrever textos para blogs.

A ‘saudade de casa’ tende a ser considerada um “mini-luto” pela maioria dos estudos. Mas tendo em vista que a ‘saudade de casa’ talvez esteja em um nível aquém se comparada com a saudade que todo aquele que tem a língua portuguesa como idioma nativo entende, mas não sabe explicar. Aquela saudade que você sabe a diferença, não é só a saudade de um local, mas de pessoas, de momentos, mas não só de pessoas e momentos, é algo mais. A saudade seja talvez um dos tópicos que só os pesquisadores brasileiros poderão se aprofundar e entender qualitativamente melhor.


Levando em consideração o que foi aqui escrito, se as evidências nos permitem considerar a ‘saudade de casa’ como uma espécie de luto, acredito que a saudade de Salvador e das pessoas que ficam é um pouco mais, é quase a morte em si.


Referências:

Stroebe M, van Vliet T, Hewstone M, & Willis H (2002). Homesickness among students in two cultures: antecedents and consequences. British journal of psychology (London, England : 1953), 93 (Pt 2), 147-68 PMID: 12031144

Thurber CA (1999). The phenomenology of homesickness in boys. Journal of abnormal child psychology, 27 (2), 125-39 PMID: 10400059  

Van Tilburg MA, Vingerhoets AJ, & Van Heck GL (1996). Homesickness: a review of the literature. Psychological medicine, 26 (5), 899-912 PMID: 8878324

27.10.11

Liberdade

Postado por Colaboradores |

Por Brena Carvalho


O premio Nobel pode ser considerado a congratulação máxima hoje existente para um cientista. Os maiores nomes da ciência após anos de intenso trabalho, publicação e estudo podem conseguir essa premiação com descobertas admiráveis e que provocaram ou provocarão mudanças significativas no mundo.
Todo psicólogo ou estudante de psicologia já ouviu falar na história de um psicólogo que conseguiu ganhar um premio Nobel, único cientista do comportamento genuinamente formado em psicologia a conseguir tal feito. Há uma lenda urbana que inclusive diz que Freud – que se considerava psicólogo, apesar da formação em Medicina – teria vencido um premio Nobel de literatura, o que não é verdade. O primeiro psicólogo a vencer o prêmio Nobel se chama Daniel Kahneman. 

Atual professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Princenton, o israelense Kahneman foi laureado com o Prêmio em Ciências Econômicas em Homenagem a Alfred Nobel em 2002, prêmio este que de fato não é um Nobel, pois não é entregue pela academia suíça, mas figura e tem o valor estimado como um dos prêmios originais criados por Alfred Nobel, sendo considerado o Prêmio Nobel de Economia. Em sua carreira ensinou e pesquisou em diversos centros de estudo em psicologia experimental e cognitiva, se dedicando e sendo valorizado pelos seus trabalhos em tomada de decisão na economia.

Kahneman desenvolveu sua teoria com Amos Tversky, que faleceu devido a um câncer antes de poder ver o fruto de seus trabalhos vencer um prêmio da magnitude de um Nobel, mas que sempre foi lembrado pelo seu colaborador como tão merecedor do prêmio quanto ele.  Kahneman e Tversky usavam teorias das ciências cognitivas para poder analisar como a motivação e o comportamento influencia a economia, usando bases cognitivas para erros comuns, como heurísticas e vieses psicológicos. A teoria, chamada de Prospect Theory, se baseia na premissa de que as pessoas tendem a se assegurar em suas crenças acerca das possibilidades de lucro quando surge a necessidade de tomar decisões econômicas incertas. Ou seja, as pessoas confiam em um número limitado de heurísticas que serviriam para reduzir a complexidade da tarefa de acessar as probabilidades dos resultados advindos de uma decisão qualquer – com um foco na economia, no caso de Kahneman – a fim de tomar a melhor decisão.



Como característica principal, a Prospect Theory foi criada como um modelo descritivo de tomada de decisão sob riscos que fosse de encontro e servisse de crítica ao modelo teórico anteriormente vigente na economia, inserindo nos modelos econômicos o fator psicológico da domada de decisão. Kahneman – e Tversky – são exemplos claros da grande possibilidade de inserção do psicólogo nas mais diversas áreas de atuação e estudo, afinal, com o conhecimento acerca dos processos fundamentais que guiam o comportamento dos indivíduos, o psicólogo se estabelece como peça de importante valor em qualquer área em que esse conhecimento seja requerido. A Psicologia Organizacional – talvez a área mais próxima à de Kahneman – se posicionará futuramente como uma área de ainda mais valor para o entendimento dos processos básicos que direcionam toda a economia. 

O prêmio Nobel sempre foi muito bem relacionado com estudos psicológicos. Além de Kahneman, há outros vencedores de prêmios Nobel com trabalhos que podem ser relacionados à Psicologia, como Frisch, Konrad Lorenz e Tinbergen que em 1973 foram premiados pelos seus estudos sobre etologia e comunicação animal; Sperry, Hubel e Wiesel, pela descoberta de diferenças entre o hemisfério esquerdo e direito do cérebro; ou mesmo os estudos de Carlson, Greengard e Kandel que resultaram em um Nobel em 2000, sobre a transdução de sinal do sistema nervoso (Kandel sendo um dos autores do famoso livro – considerado a bíblia da neurociência – Principles of Neural Science). Além destes e outros tantos não citados, há ainda os cientistas que, embora muito bem quistos na psicologia, ganharam o prêmio com pesquisas em outras áreas, um deles, por exemplo, é o médico Pavlov, laureado com o Nobel de Medicina de 1904 por trabalhos sobre fisiologia da digestão.


Para o futuro o desejo maior é de que muitos prêmios possam vir para profissionais relacionados com estudos psicológicos e que mais psicólogos de formação ganhem prêmios ao se inserir com coragem em outras áreas, levando para elas um pouco mais do conhecimento ainda inicial, mas já robusto da psicologia científica.


Update: No dia 06 de Outubro mais um psicólogo foi laureado com o Prêmio Nobel, desta vez o de Literatura. O suéco Tomas Transtömer foi premiado pelas suas poesias. Transtömer é considerado um dos poetas mais importantes da Suécia, mas nunca teve nenhum de seus livros traduzidos para o português.

ResearchBlogging.org
Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect Theory: An Analysis of Decision Under Risk. Econometrica, 47 (2), 263-292. http://www.jstor.org/pss/1914185

Tversky, A., & Kahneman, D. (1973). Availability: A heuristic for judging frequency and probability Cognitive Psychology, 5 (2), 207-232 DOI: 10.1016/0010-0285(73)90033-9

Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases Science, 185 (4157), 1124-1131 DOI: 10.1126/science.185.4157.1124 

Tversky, A., & Kahneman, D. (1992). Advances in prospect theory: Cumulative representation of uncertainty Journal of Risk and Uncertainty, 5 (4), 297-323 DOI: 10.1007/BF00122574 


Autor: Gregory W. Lester
Tradução: Marcus Vinicius Alves


Tendo em vista que as crenças se desenvolvem para aumentar nossa habilidade de sobrevivência, elas são biologicamente projetadas para ser fortemente resistentes às mudanças. Para mudar crenças, céticos precisam apontar os problemas de significados e as implicações de “sobrevivência” do cérebro em adição à discussão das evidências.

Sendo o princípio básico tanto do pensamento cético quanto da investigação científica de que crenças podem estar erradas, é normalmente confuso e irritante para cientistas e céticos que as crenças das pessoas não mudem, mesmo quando em confronto de evidências que as neguem. Como, nos perguntamos, as pessoas são capazes de sustentar crenças que contradizem os dados?

Essa perplexidade pode produzir uma tendência infeliz por parte dos pensadores céticos de depreciar e menosprezar pessoas cujas crenças não mudem em resposta às evidências. Elas podem ser vistas como inferiores, estúpidas, ou loucas. Essa atitude é engendrada pela falha dos céticos de entender o propósito biológico das crenças e a necessidade neurológica de que elas sejam resilientes e insistentemente resistentes às mudanças. A verdade é que por sua forma de pensar rigorosa, muitos céticos não possuem um entendimento claro ou racional do que são as crenças e porque até as mais absurdas delas não desaparecem com facilidade. Entender o propósito biológico das crenças pode ajudar os céticos a serem bem mais efetivos em confrontar crenças irracionais e em comunicar conclusões científicas.


Biologia e Sobrevivência

O propósito primário do nosso cérebro é nos manter vivos. Certamente ele faz mais que isso, mas sobrevivência sempre é seu propósito fundamental e sempre vem primeiro. Se nos machucarmos a ponto de que nossos corpos só tenham energia suficiente para manter a consciência ou os nossos corações batendo, mas não os dois, o cérebro não terá problemas em optar por nos colocar em coma (sobrevivência antes de consciência), ao invés de um estado de alerta fadado à morte (consciência antes de sobrevivência).

Por toda atividade do cérebro servir ao propósito fundamental de sobrevivência, o único caminho de entender com acurácia qualquer função cerebral é examinar seu valor como ferramenta de sobrevivência. Mesmo a dificuldade de tratar com sucesso transtornos comportamentais como a obesidade e o vício só pode ser entendida ao examinar suas relações com a sobrevivência. Qualquer redução na ingestão calórica ou na disponibilidade de uma substância a que um indivíduo é viciado sempre é percebida pelo cérebro como uma ameaça à sobrevivência. Como resultado, o cérebro poderosamente sugere o comer em excesso ou o abuso da substância, produzindo as familiares mentiras, fugas, negações, racionalizações, e justificativas comumente exibidas por indivíduos sofrendo com esses distúrbios.


Sentidos e Crenças

Umas das principais ferramentas do nosso cérebro para garantir a sobrevivência são os nossos sentidos. Obviamente, nós precisamos ser aptos a perceber com precisão o perigo, a fim de tomar medidas destinadas a nos manter seguros. Para sobreviver, precisamos ser capazes de ver o leão vindo em nossa direção quando saímos de nossas cavernas ou ouvir o intruso invadindo nossa casa no meio da noite. 

Apenas os sentidos, no entanto, são inadequados como efetivos detectores de perigo, pois eles são muito limitados, tanto em alcance quanto em escopo. Podemos ter contato sensorial direto com apenas uma pequena parte do mundo a cada momento. O cérebro considera este um problema significativo, porque mesmo a vida comum do dia a dia exige que estejamos constantemente em movimento dentro e fora do alcance da nossa percepção do mundo como ele é agora. Entrar em um território que nós não vimos ou ouvimos previamente nos coloca na posição perigosa de nao possuir qualquer aviso prévio de potenciais perigos. Se eu entrar em uma construção desconhecida em uma parte perigosa da cidade, minhas chances de sobrevivência diminuem porque não tenho como saber se o telhado está prestes a entrar em colapso ou alguém armado me espera no próximo corredor.

Introduzindo as crenças. “Crença” é o nome que damos à ferramenta de sobrevivência do cérebro, desenvolvida para aumentar e melhorar a função dos nossos sentidos de identificação de perigo. Crenças estendem o alcance dos nossos sentidos para que possamos detectar melhor o perigo e, assim, aumentar nossas chances de sobrevivência à medida que avançamos para dentro e fora de territórios desconhecidos. Crenças, em essência, são como "detectores de perigo de longo alcance" do nosso cérebro.

Funcionalmente, nossos cérebros tratam as crenças como "mapas" de partes do mundo com as quais nós não temos contato sensorial imediato. Enquanto estou sentado em minha sala não posso ver meu carro. Embora eu o tenha estacionado em minha garagem há pouco tempo, utilizando apenas dados sensoriais imediatos eu não sei se ele ainda está lá. Como resultado, neste momento as informações sensoriais são de pouca utilidade para mim em relação ao meu carro.

Para encontrar o meu carro com algum grau de eficiência o meu cérebro deve ignorar as informações sensoriais atuais (que, se usadas em um sentido estritamente literal, não só não me ajudam a localizar o meu carro, como em verdade indicam que ele não existe mais) e por sua vez recorrer ao seu mapa interno da localização do meu carro. Esta é a minha crença de que o meu carro ainda está em minha garagem, onde o deixei. Ao utilizar a minha crença em vez de dados sensoriais, meu cérebro pode "saber" algo sobre o mundo com o qual não tenho contato sensorial imediato. Essa capacidade "estende" o conhecimento e o contato do meu cérebro com o mundo.

A característica da crença de extensão do contato com o mundo além do alcance dos nossos sentidos imediatos melhora substancialmente nossa capacidade de sobrevivência. Um homem das cavernas tem uma probabilidade muito maior de permanecer vivo se ele é capaz de sustentar a crença de que existem perigos na selva, mesmo quando seus dados sensoriais indiquem que não há nenhuma ameaça imediata. Um policial estará substancialmente mais seguro se ele ou ela puder continuar a acreditar que alguém parado por uma infração de trânsito pode ser um psicopata armado, com um impulso de matar, mesmo que apresente uma aparência notavelmente inofensiva.


Além dos Sentidos

Tendo em vista que as crenças não precisam de dados sensoriais imediatos para ser capazes de prover o cérebro com valiosas informações para a sobrevivência, elas possuem a função de sobrevivência adicional de fornecer informações sobre aspectos da vida que não lidam diretamente com entidades sensoriais. Esta é a área das abstrações e princípios que envolvem coisas como "razões", "causas" e "significados." Eu não posso ouvir ou ver a "causa" chamada "zona de baixa pressão" que faz com que uma tempestade atrapalhe os meus planos do dia, então a minha capacidade de acreditar que a baixa pressão é a causa me ajuda. Se eu fosse depender estritamente de meus sentidos para determinar a causa da tempestade, eu não poderia dizer o porquê dela ter ocorrido. Pelo que eu sei, ela pode ter sido arrastada por duendes voadores invisíveis que preciso acertar com a minha espingarda, se eu quiser clarear o céu. Portanto, a confiança do meu cérebro em minha "crença" na causa chamada de "baixa pressão", ao invés de dados sensoriais (ou, como no caso do meu carro, a ausência deles) auxilia na minha sobrevivência: Eu evito ser preso com diversos indivíduos perigosos por sair atirando para o céu em uma caça irrefreável a duendes voadores.


A Resiliência das Crenças

Sendo os sentidos e crenças duas ferramentas para a sobrevivência que evoluíram para aumentar uma à outra, nosso cérebro os considera separados, mas igualmente importantes fornecedores de informações para a sobrevivência. A perda de qualquer um dos dois nos coloca em perigo. Sem os nossos sentidos não poderíamos saber sobre o mundo dentro da nossa esfera de percepção. Sem as nossas crenças não poderíamos saber sobre o mundo exterior aos nossos sentidos ou sobre significados, razões, ou causas.

Isto significa que as crenças são projetadas para operar independentemente dos dados sensoriais. Em verdade, todo o valor de sobrevivência das crenças é baseado em sua capacidade de persistir em face de evidências contraditórias. Não é esperado que crenças mudem facilmente ou simplesmente ao ser confrontadas a evidências que as desmintam. Se o fizessem, seriam praticamente inúteis como ferramentas para a sobrevivência. Nosso homem das cavernas não iria durar muito se a sua crença em potenciais perigos na selva evaporasse cada vez que sua informação sensorial afirmasse que não há nenhuma ameaça imediata. Um policial incapaz de acreditar na possibilidade de um assassino à espreita por detrás de uma aparência inofensiva poderia facilmente terminar ferido ou morto.

Dessa forma, para o nosso cérebro, não há absolutamente nenhuma necessidade de que evidências e crenças concordem entre si. Cada um dos dois evoluiu para aumentar e complementar um ao outro ao entrar em contato com diferentes aspectos do mundo. Eles são projetados para serem capazes de discordar. É por isso que cientistas podem acreditar em Deus e pessoas que geralmente são bastante razoáveis ​​e racionais podem acreditar em coisas para as quais não há dados confiáveis​​, tais como discos voadores, telepatia e psicocinese.

Quando os dados e as crenças entram em conflito, o cérebro não dá automaticamente a preferência para aos dados. É por isso que as crenças – mesmo crenças ruins, crenças irracionais, crenças tolas, ou crenças loucas – muitas vezes não desaparecem quando confrontadas com evidências contraditórias. O cérebro não se importa se a crença é corroborada ou não pelos dados. Ele apenas se importa com o quanto a crença é útil para a sobrevivência. Ponto final. Assim, enquanto a parte científica e racional do nosso cérebro pode pensar que os dados deveriam se sobressair às crenças contraditórias, em um nível mais fundamental de importância o nosso cérebro não possui tal viés. É extremamente reticente em abandonar suas crenças. Como um velho soldado com sua velha arma que não acredita de verdade que a guerra acabou, o cérebro acaba se recusando a se render mesmo que os dados digam que deveria.


Crenças “Inconsequentes”

Mesmo crenças que não pareçam claramente ou diretamente ligadas à sobrevivência (como a habilidade de nosso homem das cavernas em acreditar em perigos potenciais) ainda estão intimamente ligadas à sobrevivência. Isto se dá porque as crenças não ocorrem individualmente ou em um vácuo. Eles estão relacionados um à outra em um sistema de forte integração que cria a visão fundamental do cérebro da natureza do mundo. É deste sistema que o cérebro depende a fim de experimentar a consistência, o controle, a coesão e a segurança no mundo. Ele deve manter o sistema intacto para poder sentir que a sobrevivência está sendo alcançada com sucesso.

Isto significa que mesmo crenças aparentemente pequenas e inconsequentes podem ser tão pertinentes para a totalidade da experiência de sobrevivência do cérebro quanto as crenças que são “obviamente” ligadas à sobrevivência. Assim, tentar mudar qualquer crença, não importa o quão pequena ou boba ela possa parecer, pode produzir efeitos em cascata por todo o sistema e, consequentemente, ameaçar a experiência de sobrevivência do cérebro. É por isso que as pessoas estão comumente dispostas a defender suas crenças, mesmo que aparentemente pequenas ou superficiais. Um criacionista não tolera acreditar na precisão dos dados que indicam a realidade da evolução não pela exatidão ou inexatidão dos dados em si, mas porque mudar até mesmo uma crença relacionada a assuntos da Bíblia e da natureza da criação rachará todo um sistema de crenças, uma visão fundamental de mundo e, em última análise, a experiência de sobrevivência do seu cérebro.


Implicações para os céticos

Pensadores céticos devem entender que por causa do valor de sobrevivência das crenças, evidências que as confrontem raramente, talvez nunca, vão ser suficientes para mudá-las, mesmo com pessoas “normalmente tão inteligentes”. Para efetivamente mudar as crenças, céticos devem atentar para o seu valor de sobrevivência, não apenas em seu valor de precisão dos dados. Isso envolve uma infinidade de elementos.

Primeiro, os céticos não devem esperar que crenças mudem simplesmente devido aos dados ou supor que as pessoas são estúpidas porque suas crenças não mudam. É preciso evitar se tornar por demais crítico ou depreciativo em resposta à resistência das crenças. As pessoas não são necessariamente idiotas só porque suas crenças não cedem a novas informações. Os dados sempre são necessários, mas raramente são suficientes.

Em segundo lugar, os céticos devem aprender a sempre discutir não apenas o tópico específico abordado pelos dados, mas também as implicações que a mudança das crenças relacionadas terá para a visão fundamental de mundo e sistema de crenças dos indivíduos afetados. Infelizmente, abordar os sistemas de crenças é uma tarefa muito mais árdua e complicada do que simplesmente apresentar evidências contraditórias. Céticos devem discutir o significado dos seus dados em face da necessidade do cérebro para preservar seu sistema de crenças a fim de manter uma ideia de totalidade, consistência e controle. Os céticos devem se dispor a discutir problemas filosóficos fundamentais e a ansiedade existencial que fervilha quando quaisquer crenças são desafiadas. A tarefa é, em cada detalhe, tão filosófica e psicológica quanto científica e baseada em evidências.

Terceiro, e talvez mais importante, céticos devem sempre apreciar o quão difícil é para as pessoas terem suas crenças confrontadas. É, literalmente, uma ameaça ao senso de sobrevivência do seu cérebro. É completamente normal que as pessoas fiquem na defensiva em tais situações. O cérebro se sente como que lutando por sua vida. É lamentável que isso possa acarretar em comportamentos provocativos, hostís e até cruéis, mas é compreensível também.

A lição para os céticos é entender que as pessoas geralmente não possuem a intenção de serem más, grosseiras, teimosas ou estúpidas quando elas são desafiadas. É uma luta pela sobrevivência. A única maneira eficaz de lidar com este tipo de defesa é a de desarmar o conflito ao invés de inflamá-lo. Tornar-se sarcástico ou menosprezar o outro simplesmente dá às defesas da outra pessoa um ponto de apoio para impelir um “toma lá, dá cá” que justifica os seus sentimentos de estar sendo ameaçado ("É claro que lutamos contra os céticos, olha como eles são babacas e hostís!"), ao invés de se focar na verdade.

Os céticos só vão ganhar a guerra pelas crenças racionais ao continuar, mesmo quando confrontados com respostas defensivas dos outros, a usar comportamentos que são infalivelmente dignos e cuidadosos, demonstrando respeito e sabedoria. Para que os dados falem alto, os céticos devem sempre se abster de gritar.

Finalmente, deve ser reconfortante para todos os céticos lembrar que a parte verdadeiramente mais fantástica de tudo isto não é que tão poucas crenças mudem ou que as pessoas podem ser tão irracionais, mas que as crenças de qualquer um podem se modificar. A habilidade dos céticos para alterar suas próprias crenças em resposta às evidências é um verdadeiro dom; uma habilidade única, poderosa e preciosa. É genuinamente uma "função cerebral superior" na medida em que vai de encontro a algumas das mais naturais e biologicamente fundamentais necessidades. Os céticos devem entender o poder e, verdadeiramente, o risco que esta habilidade os concede. Eles têm em sua posse uma habilidade que pode ser assustadora, capaz de mudar vidas, e capaz de induzir dor. Ao direcionar esta habilidade a outrem ela deve ser usada com cuidado e sabedoria. Desafiar crenças deve sempre ser feito com zelo e compaixão.

Céticos devem se lembrar de sempre manter os olhos no objetivo. Eles devem ver à longo prazo. Eles devem se esforçar em tentar vencer a guerra pelas crenças racionais, não se envolver em uma luta até a morte por qualquer batalha em particular com uma pessoa em particular ou uma crença em particular. Não só as evidências e métodos dos céticos devem ser idôneos, diretos e imparciais, como também sua atitude e conduta.


Lester, G. W. (2000). Why Bad Beliefs Don't Die. Skeptical Inquirer., 24 (6)


Gregory W. Lester, Ph.D. é psicólogo e professor da University of St. Thomas em Houston, Texas, e atua em Houston e em Denver, Colorado.

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