O avanço tecnológico já se mostrou útil em diversas áreas das ciências, com os aparelhos cada vez mais delicados e potentes é possível ver o detalhe de estrelas, sejam elas as gigantes de gás incandescente no espaço ou as pequenas partículas que dançam a todo o momento no universo do nosso corpo. Assim como as outras ciências, a Psicologia tem aproveitado desse avanço tecnológico para aperfeiçoar suas técnicas de investigação e com isso as práticas que guiam seus profissionais.

O lado experimental de uma disciplina costuma aproveitar mais das possibilidades de novas tecnologias do que o lado aplicado e com a psicologia não foi diferente, como exemplo é possível lembrar que foi só a partir do advento das técnicas de imagem que se tornou possível observar o cérebro em ação, e assim, chamar os anos 90 de “Década do Cérebro”, com as pesquisas em neurociências tendo um caráter de vanguarda na revolução científica (sendo muito influentes até hoje). As pesquisas sobre cognição e comportamento terminaram por se tornar ainda mais elegantes e explicativas e trouxeram evidências difíceis de refutar. Mas a prática psicológica nesses anos todos de avanço tecnológico aparentemente não havia sentido tanta mudança, nas clínicas, organizações e escolas, o psicólogo não costumava utilizar muitos instrumentos ou aparelhos avançados para a sua intervenção, no máximo alguns testes psicológicos e neuropsicológicos. A tendência, entretanto, é que esse quadro mude.


Tecnologia para psicólogos

Psicólogos têm buscado diferentes formas de interagir com seus clientes, seja pelo twitter e blogs de divulgação ou de opinião, ou buscando validar atendimentos por softwares de bate-papo como o MSN, a tecnologia vem ganhando espaço nas discussões das práticas psicológicas. Indo além, uma tecnologia já conhecida por muitos, vista em muitos filmes e videogames, a Realidade Virtual, está sendo utilizada para auxiliar terapeutas em diversos casos, como treinamento, reabilitação cognitiva e motivação para crianças que estão passando por fisioterapia (a fisioterapia se transforma em um jogo de corrida ou futebol, muito mais divertido que a esteira comum). Isso faz com que, aparentemente, seja da Realidade Virtual que se espere as maiores transformações para a prática psicológica.

Em um estudo realizado na Universidade de Pádua, na Itália, uma técnica de reabilitação para o déficit de memória em idosos com Alzheimer utilizando a realidade virtual foi testada, os resultados apresentados revelaram que, apesar do declínio cognitivo ainda existir nestes idosos, a atenção deles melhorou consideravelmente, permitindo também uma melhora na recordação de informações a longo prazo. Com esses resultados, outras investigações começam a ser feitas, inclusive tentando adaptar testes neuropsicológicos para uma plataforma comum, o Nintendo Wii, tornando-os mais ecológicos e – vamos admitir – divertidos.

Na Alemanha um grupo de pesquisadores avaliou outro uso para a Realidade Virtual – e este aparentemente se tornará ainda mais útil com o tempo – a terapia para fobias. O uso de programas de Realidade Virtual para trabalhar fobias de avião, altura e aranhas já tem se mostrado eficaz em alguns estudos, mas no caso específico da investigação realizada pelos pesquisadores alemães, questionava-se até que ponto uma aranha virtualmente desenhada obteria o mesmo efeito aversivo que uma aranha real para os indivíduos com fobia. Após uma seleção onde os participantes “provavam” o seu medo de aranhas a partir de questionários e alguns testes, reduzindo a amostra apenas para participantes diagnosticados com a fobia, os testes começaram a ser feitos. Em um quarto fechado, o participante se deparava com uma aranha na parede oposta a que estava e era indicado a se aproximar dela apertando um botão, enquanto isso, suas respostas verbais e fisiológicas eram mensuradas para observar nos participantes os efeitos que as aranhas virtuais causavam. 


O resultado foi que os indivíduos acabavam por generalizar o seu medo de aranhas reais de forma intensa, fazendo que as aranhas virtuais fossem extremamente temidas. A partir destes resultados, é possível inferir que técnicas apropriadas para o tratamento também poderiam ser generalizadas, sendo assim, o estudo concluiu que o cenário virtual ao causar as mesmas respostas que os estímulos reais, com a vantagem de ser em um ambiente controlado pelos profissionais, será extremamente útil não só para realizar terapias para indivíduos com fobias, como também para pesquisas futuras sobre aspectos do medo e o desenvolvimento de novas técnicas a partir de um controle muito maior, resultando em práticas mais eficazes.


ResearchBlogging.org Mühlberger, A., Sperber, M., Wieser, M. J., & Pauli, P. (2008). A VIRTUAL REALITY BEHAVIOR AVOIDANCE TEST (VR-BAT) FOR THE ASSESSMENT OF SPIDER PHOBIA. Journal of CyberTherapy and Rehabilitation., 1 (2), 147-158  

Optale, G., Urgesi, C., Busato, V., Marin, S., Piron, L., Priftis, K., Gamberini, L., Capodieci, S., & Bordin, A. (2009). Controlling Memory Impairment in Elderly Adults Using Virtual Reality Memory Training: A Randomized Controlled Pilot Study Neurorehabilitation and Neural Repair, 24 (4), 348-357 DOI: 10.1177/1545968309353328


Comentem e compartilhem pelo twitter e facebook no menu ao lado! Sigam o @Cogpsi no twitter e curtam no Facebook para mais links e notícias!

19.7.11

Como escolher o meu Mestrado em Psicologia?

Postado por Marcus Vinicius Alves |

Recentemente um tópico me foi sugerido para a postagem aqui no Cogpsi, um post com dicas para se encontrar um programa de pós-graduação ideal para o mestrado na área do seu interesse. Reservo-me à impossibilidade de desvincular este post das minhas idiossincrasias e do que fiz para encontrar o local ideal para o meu próprio mestrado, então, aqui não vai um manual, mas sim mais uma opção de consulta. E como cada área possui suas necessidades específicas, me atenho às dicas concernentes à Pós-graduação em Psicologia.

Primeira pergunta: O que você quer?
Mestrado (acadêmico e profissionalizante), especialização, aperfeiçoamento, residência. A verdade é que existem diversas opções para pós-graduação e é preciso saber o que se espera em cada uma. Se você deseja fazer pesquisa e seguir carreira acadêmica o mestrado é a sua pós-graduação ideal, mas caso tenha interesse em trabalhar e não se veja dando aulas, talvez uma especialização tome menos o seu tempo e lhe permita flexibilidade para trabalhar e/ou não precisar se mudar para fazê-lo (alguns cursos tem aula uma vez por mês).
As diferenças sobre os tipos de pós-graduação podem ser encontradas na Wikipédia e no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por sinal, o site da Capes é excelente e o esmiuçando é possível ver muita coisa interessante sobre pós, como bolsas, concursos e afins.

Eu quero um Mestrado, mas onde buscar?
Sempre aconselho a busca no site da capes na sessão de cursos recomendados como um bom ponto de partida.

Lá é possível encontrar um sistema de busca por área, nota da avaliação da Capes ou região para todos os programas de mestrado e doutorado do país, com dados básicos, dados da avaliação trienal, área do programa e especificações.

Lembre-se, os cursos são avaliados pela Capes com notas que vão de 3 à 7, costuma-se dizer que as notas seguem uma lógica onde 3 seria a nota inicial, 4 para cursos bons, 5 para cursos de excelência nacional, 6 para cursos de nível internacional e 7 para cursos com excelência internacional. A nota é importante, ela é um reflexo das atividades e visibilidade do programa. Programas com altas notas na Capes possuem grande produtividade, programas 6 e 7 conseguem possuem alta produtividade internacional. Programas com notas altas possuem também mais bolsas cedidas pela Capes/Cnpq, e, provavelmente, se envolvem em atividades extra curso – como grandes congressos – com mais frequência.

Procure em todo lugar
É preciso ter cuidado para não deixar nenhum programa escapar, é interessante olhar programas de outras áreas além da psicologia. Como exemplo, o mestrado em Psicobiologia da Unifesp, capes 7, não está na área de ciências humanas e psicologia, mas sim na área médica II , apesar de ser constituído por profissionais e estudantes com diversas formações. Ou seja, procure em outros lugares, o Google está aí para isso, pense em um tópico que lhe interesse e pesquise, provavelmente você encontrará algo interessante, depois retorne ao site da Capes e analise cada particularidade – não esqueça de ver se ele é reconhecido pela Capes! – do programa que você quer concorrer.

Importantes tópicos para observar durante essa pesquisa: Avaliação da Capes, Ficha de Avaliação, Disciplinas, Linha de Pesquisa e Proposta do Programa.

E meu currículo?
Normalmente se espera de um estudante de mestrado independência, mas não necessariamente um grande conhecimento das pesquisas e métodos de pesquisa de vanguarda na área, apenas o suficiente para o orientador saber que você saberá andar com suas próprias pernas – lembre-se que você também assistirá aulas e lá serão abordados esses temas – e justamente por isso se opta por aqueles que já possuam iniciação científica. Claro, a pós não é restrita apenas para os já iniciados, mas há sim uma preferencia. Ter sido bolsista de um grupo de pesquisa durante algum tempo costuma ser uma garantia que você, além de já possuir familiaridade com pesquisa em si, também possui familiaridade com burocracias que estão sempre presentes na produção de relatórios, artigos, trabalhos etc. Mas se você nunca participou de um grupo de pesquisa não se desespere, esse é só um dos pontos da seleção.
 
Falando nisso, lembre-se de analisar todo o processo da seleção, cada programa tem uma seleção particular, alguns exigem um período de estágio para que o orientador o conheça, outros só aceitam sua inscrição para a seleção com um projeto bem definido. Visitar o site do programa é obrigatório, provavelmente – quase – tudo estará lá, e o que faltar você vai poder correr atrás para descobrir.


O que é imprescindível?
Conversar com os que já estão dentro com certeza é fundamental. Antes de pensar em fazer um projeto, converse com o orientador, se apresente, veja a disponibilidade dele e o interesse dele. Além de evitar futuras frustrações, é bem educado.

Pergunte ao pós-graduando. Alunos de pós costumam ser solícitos com outros que pretendem enveredar pela mesma área, então abuse, pergunte o tempo todo, não faça uma escolha desse tamanho sem antes tirar todas as suas dúvidas.

Achei o programa ideal, mas é longe...
Sair de sua cidade é difícil... Mas saia! O Brasil possui 5564 cidades e apenas 65 programas que possuem Mestrado em Psicologia (somente os das Ciências Humanas) reconhecidos pela Capes e acredito que dificilmente você terá a sorte de ter um programa de excelência na área que você pretende enveredar e com o tipo de linha de pesquisa que você quer focar em sua cidade natal ou mesmo na cidade de sua Universidade. Escolher por não passar algumas dificuldades no início da sua carreira pode sair caro futuramente.

A escolha pelo local ideal para iniciar sua carreira de pesquisa e/ou ensino é sim uma escolha um pouco complicada, mas nada muito terrível, e acredito que investigando bem é fácil encontrar o que se deseja. Escrevi algumas das considerações que julguei mais importantes, mas os convido a fazer perguntas e recomendações pelos comentários, é muito mais interessante ajudar os que ainda estão um pouco confusos por lá.

Há muito o que se discutir: Bolsas, Doutorado Direto, Publicação, Oportunidades de Emprego etc.

Comentem e compartilhem! Sigam o Cogpsi no twitter e curtam no Facebook.



Imagine essa situação:

[Uma pessoa ao sair de sua casa em direção ao trabalho se depara com a porta da casa vizinha aberta, nela, uma senhora muito idosa faz a faxina, imediatamente a pessoa pode supor que aquela é a nova empregada de seus vizinhos (dois estudantes universitários que dividem o apartamento), uma senhora que provavelmente mora muito longe e se sustenta com dificuldade em um trabalho árduo e que não deve gostar. No trajeto para o seu trabalho o semáforo se ilumina em vermelho e ao parar o carro a pessoa é abordada por um senhor com o rosto surrado, quase que instantaneamente há a aplicação de rótulos verbais e o senhor é identificado como um mendigo, pedinte, esfomeado e, consequentemente, se imagina a vida terrível que ele vive, mas também que é preciso tomar cuidado com o que ele pode fazer naquela situação. Fecha-se a janela do carro. Depois de dirigir por algum tempo, sempre tomando cuidado com o trânsito, lotado de motoristas provavelmente egoístas, mal educados, irritadiços e dissonantes, a pessoa chega ao seu trabalho e encontra uma vaga no estacionamento, quando está prestes a entrar com o seu carro na vaga ouve um grito de alerta e prontamente pisa no freio, e vê pelo retrovisor um rapaz sinalizando que este estaria estacionando errado, o rapaz está vestido de azul, vermelho e branco. O motorista agora sabe se tratar provavelmente de um flanelinha que provavelmente em pouco tempo o pediria certa quantia de dinheiro para olhar o seu carro e que, caso não fosse atendido, poderia danificá-lo, com uma última olhada para o rapaz, o motorista prontamente identifica as cores da camisa dele como sendo do Esporte Clube Bahia, time popular do nordeste e de onde ele provavelmente veio para tentar a vida em outra região. Com tais informações assumidas, o motorista decide estacionar em outro local, mais seguro e protegido. Ao chegar em seu escritório se depara com uma jovem muito bonita, loira e de corpo escultural andando por ali e logo supõe se tratar na nova secretária do chefe. E durante o resto do seu dia esta pessoa caminha por diversos locais, restaurantes, lojas, salas e vai encontrando e categorizando pessoas, criando e confirmando expectativas sobre como essas podem e devem agir.]

Dados do IBGE afirmam que grande parte da população brasileira é residente de centros urbanos, então é possível perscrutar a influência dessa vida urbana na forma que as pessoas se comportam, e mais, como se dão esses comportamentos, com destaque para o processo de categorização e estereotipização diária, desenvolvendo um raciocínio acerca da influência desses processos na vida cotidiana.

Já que argumentos cognitivistas afirmam que o mundo complexo em que vivemos exige o uso de sistemas de aprendizagem complementares, seria então fundamental para a vida como conhecemos nos centros urbanos um uso ainda mais acentuado destas do que no campo, devido à quantidade de informações que se recebe nas cidades. Há, então, a capacidade de entender a realidade de duas formas diferentes, uma que torna os indivíduos capacitados a aprender e lidar com o previsível, e outra que seria caracterizado por uma grande plasticidade, sendo capaz de analisar diferentes variáveis, se comportando de forma mais adequada a elas.

O pensamento categórico permite que se perceba as pessoas que acaba de se conhecer a partir de crenças gerais e antigas armazenadas na memória, e permitindo que nós já tenhamos expectativas sobre o que nos espera. A possibilidade de podermos ter os pensamentos orientados pelas categorias que são construídas com a história de vida permite que lidemos tanto com situações corriqueiras como ir a um shopping à procura de algum item e sabermos que vamos encontrar auxílio com um vendedor assim que o identificamos, quanto com situações raras, mas previsíveis em decorrência da experiência de como lidar com semelhantes, como ir ao mesmo shopping e, ao não encontrar o vendedor, pedir auxílio a alguém que aparente poder ajudar. Tal processamento permite também lidar com situações totalmente divergentes do que se teria uma prévia ideia, como, por exemplo, ir novamente ao shopping e encontrar um vendedor que se comporte totalmente fora dos padrões habituais, sendo agressivo com clientes que pedissem sua assistência. Sendo assim, cria-se rótulos verbais para a classificação de indivíduos como membros de um grupo que então – a partir da estrutura de conhecimento a respeito da categoria ativada – permite uma série de inferências de julgamento e impressões sobre a categoria (algumas certas, mas uma parcela significativa baseada em julgamentos estereotipados).

Assim, pode-se perceber que é natural e, em alguns casos, extremamente valioso que automaticamente categorizemos grupos sociais e comportamentos de outrem, construindo um repertório de conduta e reação. O raciocínio categórico parece fundamental para a sobrevivência, pois permitiu desde épocas remotas ao homem tratar o novo e o inesperado a partir de crenças mais gerais e antigas.

Todavia, esse raciocínio não se encontra além de controvérsias. Estudos revelam que apesar dos centros urbanos gerarem uma forte categorização, as representações estereotipadas se manifestam de forma menos intensa nos centros urbanos de maior tamanho. Uma possível resposta para esse problema é que provavelmente por serem fonte de uma enorme rede de possibilidades de contradição de estereótipos, a vida urbana apesar de incitar os pensamentos estereotipados pela necessidade de criar esquemas de comportamento para diferentes pessoas, acaba por também propiciar oportunidades infinitas de contato com pessoas diferentes, algumas que confirmam os estereótipos, e outras tanto que destoam do pensamento categorizado. Utilizando a mesma personagem do início do texto, vamos supor que no outro dia ela:

[Ao sair de sua casa em direção ao trabalho se depara com a porta da casa vizinha novamente aberta, mas agora vê a senhora conversando alegremente com um dos vizinhos que a chama de “vó”, ao trocar poucas palavras com eles, se descobre que a senhora estava ali para fazer uma pequena visita a seu neto, mas organizada – e preocupada – como é, resolveu arrumar a bagunça do neto e do colega. No trajeto para o seu trabalho o semáforo novamente se ilumina em vermelho, mas ao parar, o senhor que o abordara anteriormente se mostra dono de uma voz invejável e a única coisa que quer é ser um cantor profissional, dando-lhe um panfleto para seu próximo evento. Depois de dirigir por algum tempo, seu carro começa a apresentar problemas mecânicos, e imediatamente alguns motoristas solícitos param ao seu lado e o ajudam, resolvendo o problema em um instante. Ao chegar ao seu trabalho, esta pessoa encontra a mesma vaga no estacionamento do outro dia, e quando está prestes a estacionar ouve novamente um grito de alerta e prontamente pisa no freio, pelo retrovisor o mesmo rapaz do outro dia sinaliza e se aproxima, informando que aquela vaga está localizada abaixo de uma árvore podre e muito próxima de deixar seus galhos no carro de alguém e que por isso ninguém estava estacionando ali. O rapaz se apresenta como um fiscal que está alertando aos motoristas enquanto não se tomam providências e seu uniforme azul, vermelho e branco, quem diria, é o padrão da empresa que derrubará a árvore, ele na verdade nem gosta de futebol. Ao chegar ao escritório, refletindo sobre tantas descobertas, a nossa personagem acaba por encontrar mais uma grande surpresa, a jovem muito bonita, loira e de corpo escultural está falando a todos os funcionários e se apresentando como a nova CEO da empresa, diretamente superior a seu chefe. E assim, nossa personagem passa o resto do seu dia categorizando e se surpreendendo com as novas informações encontradas.]

Como visto, é possível encontrar durante a vida oportunidades não só para confirmar os estereótipos, como também para ir de encontro ao raciocínio estereotipado. Entretanto, afirmar que o ser humano tende a inibir o raciocínio categórico seria um erro, ocorre exatamente o contrário, mesmo com algumas evidências que vão de encontro a elas, não costumamos ser flexíveis nas crenças estereotipadas, uma vez que alguém é inserido em alguma categoria estereotipada, dificilmente há reflexão sobre o assunto.

E quais seriam as condições que disparariam o raciocínio categórico? Provavelmente, ele surge quando falta ao indivíduo percebedor motivação, tempo ou capacidade cognitiva para lidar com as demandas requeridas durante as interações sociais, ainda assim, não necessariamente um indivíduo que viva em uma cidade vai estereotipizar mais ou menos do que um que viva no ambiente rural, o que fará a diferença será muito mais a qualidade do que a quantidade das informações e dos contatos interpessoais nos quais ele vai obter informações sobre os grupos sociais. Assim, se entende que apesar do efeito do ambiente em que se vive, o contexto em que as informações serão entendidas será de importância impar para um pensamento menos estereotipado e mais justo acerca das pessoas.
 

ResearchBlogging.org  
Pereira, M. E. (2008). Cognição, categorização, estereótipos e vida urbana. Ciências & Cognição, 13 (3), 280-287

5.7.11

A morte e os profissionais da saúde

Postado por Marcus Vinicius Alves |

Cena do filme "O Sétimo Selo", de Ingmar Bergman

Rituais fúnebres sempre estiveram presentes em diversas culturas e a medida que cada sociedade apresentava aspectos culturais que promoviam disparidade entre tais rituais, estes eram indicativos de um espectro geral das crenças do grupo. Tais crenças seriam representativas de toda a esfera de concepções dessa cultura quando expandida. À sua maneira, cada cultura escrevia a história da relação do ser humano com a morte e assim criava uma estratégia a mais de enfrentamento. Sendo assim, para falar sobre a morte é preciso antes pensar na vida.

O fator cultural do morrer
 
A diferença no perceber do processo do morrer pelos povos é fator essencial para entender como os rituais se constroem em cada cultura. Na sociedade antiga, gregos apregoavam a imagem da morte ao Deus Tânatos, de olhos e cabelos prateados, Tânatos era uma personificação masculina e sombria do fim, conhecido por ter o coração de ferro, era o ceifador, enquanto Hades, deus do submundo, comandava o mundo para onde todos ao morrer iriam. O processo de morrer era considerado como uma descida aos reinos de Hades guiada pelas mãos da morte, o morrer era assim visto como um processo por onde a psykhê – a alma – deixava o corpo e se encaminhava pelo Rio Aqueronte ao mundo dos mortos, lúgubre estada eterna. Tal perspectiva fazia com que muitos temessem a morte e sonhassem com a vida eterna, todavia esta estaria garantida só para os deuses, sendo qualquer tentativa de um homem comum alcançar tal feito punida severamente. Enquanto que na crença dos antigos gregos – crença esta que influenciou em grande parte a cultura ocidental – se encontra uma visão soturna, para algumas religiões afro-brasileiras a morte não passa de mais uma transição – transições pelas quais o indivíduo passa em diversos momentos durante a sua existência – e assim, a morte não teria uma personificação como a ceifadora ocidental e nem seria em si o fim da existência do indivíduo, tampouco uma passagem onde uma natureza divina do ser humano – a alma – se dirige para um universo onde viverá eternamente, mas sim uma transformação natural e pacífica. Tais crenças influenciam como cada indivíduo entende o processo de morrer e lida com ele, assim, entende-se que quando a morte é vista de uma forma tenebrosa, o morrer pode vir a ser turbulento, enquanto que quando entendida como um processo natural, morrer pode ser muito mais tranqüilo.

Existem formas e formas de morrer.
Quando observamos os rituais de preparação para o morrer, é também possível encontrar algumas diferenças significativas. Por exemplo, na idade média a morte era vivenciada no seio familiar, de forma pública, vista como conseqüência natural da vida. Quando ocorria em uma cidade pequena, o sujeito era visitado por todos os seus conhecidos, fazendo com que o processo lento do morrer se tornar um evento social. E assim, saber que iria morrer era um aspecto essencial para uma boa transição, pois permitia a organização prévia deste evento. Já índios Tupis, para permitir essa boa transição e a paz eterna para o espírito dos que morriam, tinham o costume de enterrar seus mortos em casa, no mesmo lugar onde a rede destes ficavam. Promover uma boa transição é aspecto extremamente importante para os vivos, pois a despedida serve não só de ritual que ajuda a formalizar o luto, como de fator para a aceitação da morte, tranqüilização do indivíduo e dos seus familiares e de alívio da impotência sentida.

O ser humano é o único ser que tem consciência de sua finitude, mesmo assim (provavelmente por isso), não consegue a encarar como parte do cotidiano e consequência natural de estar vivo. Há uma tendência ao não pensamento na morte, um afastamento do âmbito pessoal, assim a morte acaba sendo vista em terceira pessoa, com uma sólida dificuldade em sua elaboração quando próxima. É possível relembrar as palavras de Max Weber ao falar que o homem moderno se angustia por ter um horizonte referencial definido pela ideia de progresso – com o tempo parecendo fluir linearmente para a infinitude – assim, morrer seria uma anomalia, extremamente indesejável por lhe parecer uma falha da natureza. Tais atitudes advêm de uma característica marcante na concepção do processo de morrer na cultura ocidental, o nosso tempo caracteriza-se por uma cultura que problematiza a morte. Negá-la é uma forma de não entrar em contato com esta dor que se supõe não haver como contornar.

A morte e os profissionais da saúde

Se lidar com a morte é extremamente difícil, para o profissional de saúde tal característica acaba por aumentar suas proporções, pois este a vê - pelo menos alguns tendem a ver dessa forma - como uma inimiga a ser vencida, tornando a irremediável ocasião de se perder um paciente em uma situação de derrota, impotência e fracasso. E tomando tal evento natural como seu rival, estes profissionais acabam por presenciar em seu ambiente de trabalho diariamente situações em que se tornam novamente os vencidos. Esse contato direto com a morte do outro traz à tona toda a fragilidade intrínseca do sujeito diante da sua própria finitude.



O cuidar em situações tão delicadas é para estes profissionais um sutil emaranhado de vivências com um elevado índice de estresse, onde estratégias de enfrentamento acabam sendo tomadas para que este profissional possa manter a sua saúde, tanto mental, quanto fisiológica, em equilíbrio. As habilidades desenvolvidas para o domínio das situações de estresse e adaptação a essas situações são denominadas coping. O coping é definido como todos os esforços de controle de uma situação estressora, ou seja, são respostas – comportamentais e/ou cognitivas – ao estresse com a finalidade de reduzir as suas características aversivas. O enfrentamento possui então duas funções que seriam consideradas as principais, a primeira seria o gerenciamento do evento estressor, tomando o problema como foco; a segunda seria o controle, redução ou até a eliminação das respostas emocionais ao evento estressor, mas ao focar apenas no embotamento, tal função teria características apenas paliativas. Percebe-se que há a necessidade de um preparo para atuar nesse campo, pois profissionais da saúde refletem a incapacidade de lidar com esse evento natural que já é enraizada em nossa civilização e dificilmente acabará. E esse preparo precisa estar na base da formação destes profissionais, guiado por teorias, técnicas e acompanhamento dos casos por psicólogos. 

Por mais que o papel do psicólogo no hospital ainda esteja algumas vezes confuso para os graduandos - e mesmo para muitos profissionais formados - me parece que essa é uma boa opção de atuação, e, talvez, uma das mais necessitadas do conhecimento do psicólogo clínico e hospitalar. A morte de um paciente algumas vezes pode ser tão dolorosa quanto a morte de um amigo. E no meio de toda dor sentida, o profissional se percebe diante de uma dor que também é sua.



ResearchBlogging.org Antoniazzi, A., Dell'Aglio, D., & Bandeira, D. (1998). O conceito de coping: uma revisão teórica Estudos de Psicologia (Natal), 3 (2), 273-294 DOI: 10.1590/S1413-294X1998000200006  

Ariès, P. (2003). História da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro 

Kóvacs, M. J. (2003). Educação para a morte: Temas e Reflexões. São Paulo: Casa do Piscólogo

Subscribe