Por Felipe Novaes*



"A engenhosidade humana nos deu meios de aprimorar nosso cérebro, com invenções como a escrita, a imprensa e a internet. Essas drogas deveriam ser encaradas da mesma forma: são coisas que a nossa espécie inventou para melhorar a si mesma". (grupo de neurologistas das Universidades da
Califórnia, da Pensilvânia, de Cambridge e Harvard) (retirado de: Nogueira, 2009)

"Eu tinha que me preparar para um trabalho e resolvi tomar um comprimido. O resultado foi incrível. Consegui estudar 12 horas sem parar.” (Augusto ;26 anos, doutora
ndo, Recife, 2009) (Idem)

E se você conseguisse cursar sua faculdade, trabalhar e ainda, à noite, estudar para passar em algum concurso? Isso seria ótimo, mas, melhor ainda (e mais difícil), seria ser bem-sucedido em tudo. Com o tempo, seu corpo, incluindo seu cérebro, ia sofrer um blackout devido ao excesso de esforço com descanso desproporcional. Talvez, futuralmente, esse cenário não exista mais graças à uma série de medicamentos tarjas-pretas usados por pessoas sem problema algum, que afirmam ter suas capacidades cognitivas, disposição e agilidade mental e física amplados. Mas quais seriam os efeitos colaterais? Será que estamos preparados, individualmente e como sociedade, para esse salto intelectual artificial?

Recentemente assisti a um filme, Sem Limites (Limitless, 2011) que conta a história de Eddie Morra, um escritor que parece estar enfrentando uma maré de azar financeira, social e literária. Sua vida parece estar arruinada e sua aparência péssima, até que encontra um conhecido que oferece uma ajudinha. Essa ajuda inesperada e inicialmnte recebida com ceticismo é uma simples pílula. Quando Morra resolve experimentar, segundos depois tudo ao seu redor se torna mais nítido, claro, sua mente flui de maneira incrível, é como se todas as informações contidas em seu cérebro estivessem ali para ele acessá-las quando bem entender. Rapidamente há uma virada na sua vida. Ele muda sua aparência, escreve seu livro em 4 dias, começa a estudar outras línguas, mercado de ações e com o tempo se torna um gênio adorado por todos, conhecedor de tudo, agradável e rico. E tudo isso sem precisar de longas horas de sono para compensar seu dia agitado.


Esse filme mostra perfeitamente as expectativas para um futuro, que alguns cientistas acham possível que vire realidade, em que as pessoas farão uso de medicamentos chamados de NA (neuroaprimoramento), que prometem transformar todas as pessoas em Sheldons, da série Big Bang Theory, e com o plus da ausência das inabilidades sociais do personagem.

A idéia de ampliarmos nossa capacidade mental levanta diversos questionamentos éticos. Será que é correto realizar esse tipo de intervenção medicamentosa? O que devemos pensar de uma entrevista coletiva de emprego em que um dos candidatos secretamente tomou um NA? Provavelmente ele terá melhor desempenho que os demais, o que deveríamos fazer à respeito? O mesmo serve para a sala de aula, onde, como mostram alguns estudos, muitos alunos já vem fazendo uso desses medicamentos. Há pouco tempo, a revista científica Nature realizou uma enquete que revelou que

um em cada cinco leitores acadêmicos já tinham tomado ritalina, modafinil ou desbloqueadores apenas para ampliar a capacidade intelectual. Outros estudos, realizados nos EUA, mostram que 10% dos adultos já utilizaram pelo menos uma vez anfetaminas para fins “não terapêuticos” e 7% recorreram a estimulantes como ritalina. Quase 60% daqueles que tomam estimulantes com fins não terapêuticos querem melhorar a concentração, e 43% tem como meta permanecer mais alertas. Entre 3% e 11% dos estudantes universitários americanos já recorreram a estimulantes para melhorar o desempenho nos estudos.

Essa questão é complicada também porque o aprimoramento cognitivo não é algo novo. Quando lemos um livro, utilizamos revistas de palavras-cruzadas e meditamos, também estamos melhorando nossa agilidade cerebral e nunca vimos ninguém condenando essas atitudes. Alguns opositores sugerem que o problema é a intervenção química direta em nossos cérebros o grande vilão. Mas o que nós fazemos quando tomamos café, Coca-Cola, chás diversos...?? Estamos ingerindo alimentos ricos em substâncias que irão agir diretamente em nosso sistema nervoso, isto é, a cafeína. Desse ângulo, não tem sentido condenar os usuários de NA, a não ser que proibamos a venda de todas as substância que alteram nossa química cerebral de algum modo que nos beneficie. Mas, assim, estaríamos entrando numa questão ainda maior porque, a verdade seja dita, todos os alimentos agem na química de todo o nosso corpo! É justamente esse o objetivo evolutivo da alimentação, ou seja, repormos todos os componentes necessários para a nossa sobrevivência.

"Fiquei mais inteligente, tudo o que estudo é mais bem aproveitado. Graças ao remédio, passei no vestibular de química e virei um dos melhores alunos da classe. Agora decidi prestar vestibular para economia. Consegui uma bolsa em um cursinho depois de ficar em 1o e 2o lugar em vários simulados. Tenho consciência de que outros estudantes também usam o remédio. Mas espero que ele não se popularize. Afinal, se todo mundo tomar, como vou me destacar?" (Marcos, 21, estudante, Rio de Janeiro, 2009)

Outro ponto interessante são os próprios medicamentos receitados pelos médicos para as pessoas que necessitam de alguma cura. Também é uma intervenção medicamentosa. A diferença, e aí talvez esteja o grande diferencial, é que medicamentos prescritos são direcionados para terapia, tratamentos e não para pessoas que não possuem deficiência. Até que ponto é correto fazermos uso de medicamentos direcionados à pessoas com alguma falta a ser suprida pelos fámacos sendo nós pessoas sãs?


Pensando além de nossa época, imaginemos uma época em que os Nas já estejam liberados para usarmos à vontade. Será que haverá uma distribuição igualitária? Pelos benefícios prometidos, serão fármacos extremamente caros e isso restringiria o consumo a somente aqueles que tivessem condições financeiras para comprá-los. Se mesmo hoje, muitas pessoas não possuem condições financeiras nem de comprar remédios básicos à sua sobrevivência, imagine o grau que isso alcançaria no futuro. Assim, criaríamos um novo tipo de segregação social. Uma entrevista de emprego, uma prova ou um trabalho de escola nunca mais seriam os mesmos. Para poder fazer frente à uma pessoa usuária de NA, seria necessário qu todos também tomassem ou qualquer tipo de disputa seria injusta. Viveríamos num mundo análogo a uma corrida, onde (se já não bastassem as diferenças individuais na inteligência) algumas pessoas já largariam na frente de outras, constituindo assim uma corrida injusta. Ao mesmo tempo, nos vemos tentados a atingir um estágio de existência pós-humano que talvez comece somente com apliadores de desempenho e termine com a fusão do homem à máquina, quem sabe?


ResearchBlogging.org Gary Stix (0). O cérebro turbinado. Especial Scientific American Brasil, Em busca da consciência. (40), 54-61

Tracey J. Shors. (0). Estimulado, cérebro produz e preserva novas células nervosas. Especial Scientific American Brasil, Em busca da consciência. (40), 61-62




* Felipe Novaes é graduando em Psicologia pela UFRJ e escreve para o blog NERDWORKING

1 comentários:

Anônimo disse...

Muitas pessoas imaginam que estes medicamentos são capazes de aumentar a inteligência, quando na verdade aumentam tão-somente a concentração, o que é bem diferente. Permitem que o usuário passe horas a fio se debruçando sobre um trabalho ou um estudo sem os desgastes habituais. Mas o cérebro não é uma máquina... a privação de sono, e a própria inteferência dos remédios na bioquímica natural do órgão pode, pelo menos a longo prazo, interferir negativamente nas conexões neuronais, prejudicando o potencial cognitivo do invidíduo no futuro. Moral da história... são necessários muitos e muitos testes laboratoriais antes que se possa emitir um atestado de confiabilidade desses medicamentos para pessoas saudáveis.

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