28.10.11

Falando de saudade...

Postado por Marcus Vinicius Alves |


“Você já foi à Bahia, nega? Não? Então vá.”
Dorival Caymmi


Recentemente me mudei da minha cidade natal, Salvador, para São Paulo, onde iniciei o mestrado. Sair de casa sempre é difícil, mas acredito que reservo à minha cidade natal uma espécie de apreço que dificilmente poderia ser considerado normal: por anos não consegui me manter muito mais do que duas semanas distante de Salvador. A cada viagem, a contagem regressiva logo se iniciava e dentro de pouco tempo meu humor estaria completamente mudado, irritadiço, impaciente, saudoso. Todavia, a todo o momento, quando estava em terras soteropolitanas desejava ir embora e guardava antipatia a quase todos os fenômenos particulares que ela reserva àqueles que lá habitam, dos vizinhos e carros de gostos musicais duvidosos em uma altura ensurdecedora, ao trânsito agressivo e o desleixo provinciano com os bairros históricos e culturais que se tornou retrato de más administrações sucessivas da cidade. 

O baiano, e particularmente o soteropolitano, tem uma coisa engraçada. Lá é possível encontrar pessoas que vão dizer com toda vontade, “Salvador é uma cidade terrível, mas não consigo ficar longe dela”. E é essa relação de amor semelhante ao fraternal – um pouco exagerado, eu sei – um amor que se permite falar mal, reclamar, mas que continua sendo amor.

Muito além da cidade descrita por Jorge Amado, Salvador pouco tem em suas ruas a poesia de outrora, é possível ser soteropolitano e não conhecer os pontos mais ilustrados pelas linhas das obras dele. Da mesma forma, parece que as palavras ‘moqueca’, ‘cachaça’, ‘orixá’ e ‘capoeira’ não caberiam em lugar melhor e foram especialmente concebidas para encaixar no sotaque daquele que nasceu nas terras banhadas pela Baía de Todos os Santos (e depois de algum tempo em São Paulo, começo a perceber que ‘farinha’ também). A Roma Negra é ainda uma cidade maravilhosa, e os versos de Caymmi, que confessavam – todavia, sem muito alarde - estar com saudade de Salvador, ainda são atuais, ao menos para mim.


Por mais que alguns fatores ainda me sejam incômodos na minha cidade natal, há uma beleza nas ondas do extenso litoral ou do sol nascente que desponta no horizonte da marina, bem próximo ao Mercado Modelo e Elevador Lacerda, que me permite lembrar com carinho de toda a beleza desta cidade. E, provavelmente, maquiando as impressões negativas, a memória se distorce para revelar um local de onde só as melhores recordações podem ser relembradas. Recordações de lugares, recordações de pessoas. A saudade, palavra que adoramos deixar claro fazer parte de um grupo seleto de idiomas, dentre estes, a língua portuguesa, poderia ser considerada uma expressão característica daquele que passou por Salvador e soteropolitanos e almeja desesperadamente o retorno. 


Poucos estudos abordam o tópico “saudade”, mas é possível encontrar aqueles que estudam a “saudade de casa” (homesickness) e sua relação com diversos fatores psicológicos. Essa saudade nada mais é do que uma confluência de reações cognitivas e emocionais advindas da separação do lar. Tal saudade gera uma série de intercorrências que podem ser correlacionadas negativamente com a idade e a experiência de separação que a pessoa já possui (ou seja, todo aquele que, como eu, nunca suportou tal separação, estará mais propenso a desenvolver os sintomas principais dessa saudade extrema). Os problemas que acabam por surgir dessa saudade estão associados com sintomas depressivos e internalização de problemas comportamentais. 

ResearchBlogging.orgQuando com crianças, percebeu-se que a intensidade da saudade aumenta com o tempo, reduzindo apenas momentos antes do retorno para casa, mas o interessante é que os efeitos da saudade de casa iniciam mesmo meses antes da separação. Sendo assim, essa ‘homesickness’ excessiva pode ser considerada diferente de um transtorno gerado apenas pela separação – que poderia considerar uma separação pouco traumática uma solução – pois os efeitos já aparecem com a iminência da despedida. Aparentemente, mulheres e meninas tendem a sentir os efeitos da saudade com muito mais intensidade do que homens e meninos, o que pode até não ser cientificamente conclusivo, mas pelo menos é poético. As ruminações provenientes dessa distância de casa e uma possível solidão acarretada pelo distanciamento do indivíduo vindo a partir destas ruminações podem resultar mesmo em uma depressão, ou pior, a vontade de escrever textos para blogs.

A ‘saudade de casa’ tende a ser considerada um “mini-luto” pela maioria dos estudos. Mas tendo em vista que a ‘saudade de casa’ talvez esteja em um nível aquém se comparada com a saudade que todo aquele que tem a língua portuguesa como idioma nativo entende, mas não sabe explicar. Aquela saudade que você sabe a diferença, não é só a saudade de um local, mas de pessoas, de momentos, mas não só de pessoas e momentos, é algo mais. A saudade seja talvez um dos tópicos que só os pesquisadores brasileiros poderão se aprofundar e entender qualitativamente melhor.


Levando em consideração o que foi aqui escrito, se as evidências nos permitem considerar a ‘saudade de casa’ como uma espécie de luto, acredito que a saudade de Salvador e das pessoas que ficam é um pouco mais, é quase a morte em si.


Referências:

Stroebe M, van Vliet T, Hewstone M, & Willis H (2002). Homesickness among students in two cultures: antecedents and consequences. British journal of psychology (London, England : 1953), 93 (Pt 2), 147-68 PMID: 12031144

Thurber CA (1999). The phenomenology of homesickness in boys. Journal of abnormal child psychology, 27 (2), 125-39 PMID: 10400059  

Van Tilburg MA, Vingerhoets AJ, & Van Heck GL (1996). Homesickness: a review of the literature. Psychological medicine, 26 (5), 899-912 PMID: 8878324

27.10.11

Liberdade

Postado por Colaboradores |

Por Brena Carvalho


O premio Nobel pode ser considerado a congratulação máxima hoje existente para um cientista. Os maiores nomes da ciência após anos de intenso trabalho, publicação e estudo podem conseguir essa premiação com descobertas admiráveis e que provocaram ou provocarão mudanças significativas no mundo.
Todo psicólogo ou estudante de psicologia já ouviu falar na história de um psicólogo que conseguiu ganhar um premio Nobel, único cientista do comportamento genuinamente formado em psicologia a conseguir tal feito. Há uma lenda urbana que inclusive diz que Freud – que se considerava psicólogo, apesar da formação em Medicina – teria vencido um premio Nobel de literatura, o que não é verdade. O primeiro psicólogo a vencer o prêmio Nobel se chama Daniel Kahneman. 

Atual professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Princenton, o israelense Kahneman foi laureado com o Prêmio em Ciências Econômicas em Homenagem a Alfred Nobel em 2002, prêmio este que de fato não é um Nobel, pois não é entregue pela academia suíça, mas figura e tem o valor estimado como um dos prêmios originais criados por Alfred Nobel, sendo considerado o Prêmio Nobel de Economia. Em sua carreira ensinou e pesquisou em diversos centros de estudo em psicologia experimental e cognitiva, se dedicando e sendo valorizado pelos seus trabalhos em tomada de decisão na economia.

Kahneman desenvolveu sua teoria com Amos Tversky, que faleceu devido a um câncer antes de poder ver o fruto de seus trabalhos vencer um prêmio da magnitude de um Nobel, mas que sempre foi lembrado pelo seu colaborador como tão merecedor do prêmio quanto ele.  Kahneman e Tversky usavam teorias das ciências cognitivas para poder analisar como a motivação e o comportamento influencia a economia, usando bases cognitivas para erros comuns, como heurísticas e vieses psicológicos. A teoria, chamada de Prospect Theory, se baseia na premissa de que as pessoas tendem a se assegurar em suas crenças acerca das possibilidades de lucro quando surge a necessidade de tomar decisões econômicas incertas. Ou seja, as pessoas confiam em um número limitado de heurísticas que serviriam para reduzir a complexidade da tarefa de acessar as probabilidades dos resultados advindos de uma decisão qualquer – com um foco na economia, no caso de Kahneman – a fim de tomar a melhor decisão.



Como característica principal, a Prospect Theory foi criada como um modelo descritivo de tomada de decisão sob riscos que fosse de encontro e servisse de crítica ao modelo teórico anteriormente vigente na economia, inserindo nos modelos econômicos o fator psicológico da domada de decisão. Kahneman – e Tversky – são exemplos claros da grande possibilidade de inserção do psicólogo nas mais diversas áreas de atuação e estudo, afinal, com o conhecimento acerca dos processos fundamentais que guiam o comportamento dos indivíduos, o psicólogo se estabelece como peça de importante valor em qualquer área em que esse conhecimento seja requerido. A Psicologia Organizacional – talvez a área mais próxima à de Kahneman – se posicionará futuramente como uma área de ainda mais valor para o entendimento dos processos básicos que direcionam toda a economia. 

O prêmio Nobel sempre foi muito bem relacionado com estudos psicológicos. Além de Kahneman, há outros vencedores de prêmios Nobel com trabalhos que podem ser relacionados à Psicologia, como Frisch, Konrad Lorenz e Tinbergen que em 1973 foram premiados pelos seus estudos sobre etologia e comunicação animal; Sperry, Hubel e Wiesel, pela descoberta de diferenças entre o hemisfério esquerdo e direito do cérebro; ou mesmo os estudos de Carlson, Greengard e Kandel que resultaram em um Nobel em 2000, sobre a transdução de sinal do sistema nervoso (Kandel sendo um dos autores do famoso livro – considerado a bíblia da neurociência – Principles of Neural Science). Além destes e outros tantos não citados, há ainda os cientistas que, embora muito bem quistos na psicologia, ganharam o prêmio com pesquisas em outras áreas, um deles, por exemplo, é o médico Pavlov, laureado com o Nobel de Medicina de 1904 por trabalhos sobre fisiologia da digestão.


Para o futuro o desejo maior é de que muitos prêmios possam vir para profissionais relacionados com estudos psicológicos e que mais psicólogos de formação ganhem prêmios ao se inserir com coragem em outras áreas, levando para elas um pouco mais do conhecimento ainda inicial, mas já robusto da psicologia científica.


Update: No dia 06 de Outubro mais um psicólogo foi laureado com o Prêmio Nobel, desta vez o de Literatura. O suéco Tomas Transtömer foi premiado pelas suas poesias. Transtömer é considerado um dos poetas mais importantes da Suécia, mas nunca teve nenhum de seus livros traduzidos para o português.

ResearchBlogging.org
Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect Theory: An Analysis of Decision Under Risk. Econometrica, 47 (2), 263-292. http://www.jstor.org/pss/1914185

Tversky, A., & Kahneman, D. (1973). Availability: A heuristic for judging frequency and probability Cognitive Psychology, 5 (2), 207-232 DOI: 10.1016/0010-0285(73)90033-9

Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases Science, 185 (4157), 1124-1131 DOI: 10.1126/science.185.4157.1124 

Tversky, A., & Kahneman, D. (1992). Advances in prospect theory: Cumulative representation of uncertainty Journal of Risk and Uncertainty, 5 (4), 297-323 DOI: 10.1007/BF00122574 

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