4.6.12

Earworms

Postado por Marcus Vinicius Alves |


* publicado inicialmente no blog Feminino e Além

Em um mundo onde músicas de bandas pop estouram o tempo todo e possuem cada vez mais alcance, é quase impossível escapar destas pequenas gladiadoras do tormento humano, cada vez mais grudentas e insuportáveis. E algo similar a maioria das músicas deste estilo musical é a capacidade que elas tem de se apropriar do seu pensamento de forma intrusiva a qualquer momento em um looping infinito de tchus e tchás. Normalmente tal intrusão não dura muito mais que algumas horas, mas em alguns casos podem até durar por dias nessa repetição. Se você já passou por este sofrimento atormentador, ao menos uma boa notícia eu posso lhe dar: tem gente estudando o cérebro com o intuito de acabar de uma vez por todas com elas (as músicas, não as bandas… Ainda!).
Em primeiro lugar, vamos às definições, essa experiência de ter uma música repetindo constantemente em sua mente possui um nome, o termo usado para conceituar essa repetição de músicas desagradáveis é earworms (algo como “vermes de ouvido”). O neurocientista Oliver Sacks em um de seus últimos lançamentos, o livro “Alucinações Musicais”, sugeriu chamar esse fenômeno de “brainworms” devido ao fato dessa repetição acontecer em um nível cerebral, ou seja, você está processando a música como se houvesse um rastro de informações dela ainda despertas em nível neural (não é a toa que só pequenas partes são lembradas, como o refrão). Esse fenômeno também é conhecido na literatura científica como Síndrome da Música Encalhada/Presa (stuck song syndrome).
Em um pequeno conto, chamado de “A Melodia Definitiva”, Arthur Clarke – consagrado autor de “2001: Uma Odisséia no Espaço” – conta a história de um cientista chamado Gilbert Lister, que busca criar uma melodia que seja tão consonante com os processos elétricos do cérebro que consiga captura-los eternamente, digamos que uma espécie de música pop definitiva. O problema para o professor Lister é que assim que consegue a criação de sua “obra-prima” um revés ocorre: o poder de sua música é tamanho que ele mesmo termina a história em um estado semelhante a um coma. Esperamos que nenhuma música pop tenha a capacidade de fazer isso por enquanto, mas o exemplo do conto de Clarke serve para ilustrar razoavelmente bem o poder das earworms.
O fato de tal situação possuir até uma definição científica que permita investigá-la e estudos se aprofundando no tema para desvendá-lo pode sugerir que, no mínimo, este fenômeno seja bem comum. E realmente é, estudos confirmam que as earworms já foram experimentadas por um grande número de pessoas, acredita-se que em torno de 98% das pessoas já passou por esta experiência em algum momento em sua vida. Embora seja bastante comum, uma proporção inversa a essa presença habitual pode ser estabelecida para a sua capacidade de causar danos. As earworms tendem a ser bem pouco problemáticas. Para ser mais exato, com exceção de indivíduos que trabalhem com música ou que precisem em estar atento a tipos específicos de sons, ter uma música reverberando em seus pensamentos pouco te incomodará, provavelmente a earworm apenas vai lhe gerar certa frustração por não conseguir esquecer uma musica ruim ou até um pouco de constrangimento ao cantá-la baixinho no elevador ao lado de seus colegas de trabalho.
Devido a essa característica pouco deletéria, pouco se voltou para estudos sobre o tema, buscando entender ele e, quem sabe, criar estratégias para pará-los. Neurocientistas procuram buscar respostas para esse fenômeno, mas principalmente no aspecto clínico dele, como, por exemplo, pensamentos intrusivos que podem ser deletérios para pacientes com algum tipo de obsessão e que se assemelham de certa forma a essa repetição incontrolável experimentada nos earworms.
E o que faz essas músicas serem tão intrusivas assim? E em relação ao conteúdo, por que – normalmente – são as músicas que vão de encontro ao gosto musical do indivíduo que parecem possuir ainda maior poder de reverberação? Provavelmente as respostas para tais perguntas já foram encontradas. A tendência das certas músicas à repetição vem exatamente por sua estrutura simples, ou seja, batidas fortes e “fáceis” somadas a letras e melodias repetitivas. Em outras palavras, estamos extremamente mais suscetíveis à reverberar uma música de Justin Bieber do que uma complexa sonata.
Em relação à segunda pergunta, um psicólogo chamado Daniel Wegner criou uma teoria que chamou de “Teoria do Processamento Irônico”, que parece explicar bem o que acontece com as earworms e porque normalmente as músicas lembradas são as mais avessas aos gostos musicais pessoais. Pela teoria dele, sempre que tentamos forçadamente excluir algum pensamento de nossas mentes eles se tornam ainda mais fortes. É como se nossa consciência fosse um palco e o pensamento intrusivo estivesse na penumbra, sendo processado automaticamente e inconscientemente, até surgir debaixo dos holofotes e quanto mais intenso o esforço para expulsá-lo, mais focado nele o indivíduo fica.
Então a partir desta teoria é possível refletir um pouco sobre a solução para problemas de intrusão musicais. Se a consciência é um palco onde o pensamento earworms tenta surgir a todo momento, a proposta de alguns pesquisadores seria a de que, para afastá-lo, basta focar em outras tarefas que exigem muita concentração, o foco atencional em excesso acabaria gerando uma espécie de sobrecarga cerebral, não deixando espaço para mais um ator no palco, muito menos um indesejado. É uma hipótese.
Da próxima vez que você estiver com uma música presa em sua cabeça, tente utilizar esta estratégia e, se der certo, avise ao mundo.

ResearchBlogging.org Beaman CP, & Williams TI (2010). Earworms (stuck song syndrome): towards a natural history of intrusive thoughts. British journal of psychology (London, England : 1953), 101 (Pt 4), 637-53 PMID: 19948084

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